Não há vedação legal à utilização de veículos destinados ao transporte escolar para atender outras demandas do município, se adquiridos com recursos próprios não vinculados

Questionamentos:

Tendo em vista que os ônibus escolares não circulam em finais de semana e feriados, poderiam estes veículos serem usados, fora do expediente escolar, em outras atividades do município tais como assistência social, esportes e cultura, desde que o combustível e o servidor sejam pagos pelas respectivas pastas que usarem o ônibus em empréstimo?

Se a resposta for sim, mesmo se esses ônibus forem adquiridos por convênio ou com recursos do Fundeb, poderiam ser emprestados para outras Secretarias no horário que não houver expediente de transporte escolar?

Deliberação:

O TCEMG fixou prejulgamento de tese, com caráter normativo, nos seguintes termos:

a) Não há vedação legal à utilização de veículos destinados ao transporte escolar para atender outras demandas do município, caso se trate daqueles adquiridos com recursos próprios não vinculados, observadas as i) normas gerais para o processamento das despesas; ii) sua utilização, que se dará em caráter residual, deve atender e se justificar por interesse e finalidade públicos; haja regulamentação do seu uso em ato normativo específico, utilizando-se do instrumento jurídico adequado para tanto; iii) haja disponibilidade do veículo, sem interrupção ou prejuízo das atividades escolares, como sua utilização em finais de semanas ou dias não letivos, por exemplo; iv) as despesas de manutenção e de combustíveis dos veículos utilizados em outras atividades devem ser suportadas por créditos orçamentários alocados a estas atividades, excluindo-se, portanto, do cômputo dos gastos com educação; v) o município deve dispor de controles internos capazes de apurar e apropriar, de forma transparente e inequívoca, as despesas com manutenção e combustíveis para cada função programática que se utilizar do veículo, evitando a apropriação errônea destes despesa no limite mínimo de aplicação em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino.

b) Quando os veículos do município forem custeados com recursos legalmente vinculados à finalidade específica, à exemplo dos recursos advindos do Fundeb e dos programas federais destinados ao apoio ao transporte escolar, os mesmos deverão ser utilizados exclusivamente para atender ao objeto da vinculação, nos termos da legislação atual pertinente, razão pela qual não poderão ser aproveitados fora do expediente escolar, em outras atividades, como assistência social, esportes e cultura.

c) Caso a aquisição de veículos escolares seja custeada com recursos oriundos de instrumentos de transferência voluntária não atrelados aos programas educacionais, deverão ser observadas as regras pactuadas no instrumento firmado junto à Administração Pública.

Resumo da análise do relator:

Inicialmente, o conselheiro relator Agostinho Patrus entendeu ser pertinente abordar os aspectos jurídicos relacionados aos programas de financiamento da educação básica pública e os mecanismos de repasse de recursos aos municípios.

A Constituição da República de 1988 não apenas reconhece a educação como um direito social, mas também estabelece diretrizes para efetivá-la. Consoante preceitos insculpidos no art. 208, II, e art. 211 da Constituição da República, a atuação governamental no âmbito da educação deve ser efetivada mediante programas suplementares que garantam não somente o acesso, mas os meios de permanência, como materiais didáticos, transporte, alimentação e assistência à saúde, os quais devem ser organizados em regime de colaboração.

Especificamente no que tange a prestação do serviço de transporte escolar, o município conta tanto com os recursos ordinários não vinculados, quanto com os recursos vinculados.

Quanto à receita própria do Município, o relator entendeu que pode ser aplicada para atender a quaisquer finalidades. Assim, no caso de veículos adquiridos com recursos de impostos e transferências de impostos de livre aplicação, os chamados recursos ordinários (próprios) não vinculados, entendeu não haver óbice legal à utilização residual para o atendimento de outras ações ou atividades do interesse do município.

Assim, na hipótese de a aquisição dos veículos escolares ser custeada com recursos próprios do município, não vinculados, o relator entendeu que será possível que o município utilize da frota destinada ao transporte escolar para outras finalidades de interesse público, como assistência social, esportes e cultura, e desde que se obedeça aos requisitos.

Por outro lado, no que tange aos veículos adquiridos com recursos vinculados, a sua destinação deve ser exclusiva e atrelada à finalidade do programa.

Nesse sentido, a Lei n. 14.113/2020, que regulamentou o Fundeb, prevê que no mínimo 70% dos recursos anuais creditados na conta do fundo sejam destinados à remuneração dos profissionais do magistério da educação; a parcela restante de no máximo 30%, por conseguinte, deve ser aplicada nas demais ações de manutenção e desenvolvimento do ensino da educação básica pública (art. 26, caput), com possibilidade, portanto, de se custear as despesas com as aquisições ou locações destes veículos (escolares) com a referida parcela disponível do Fundeb.

Dessa forma, o relator entendeu que tais recursos devem ser aplicados na manutenção e desenvolvimento da educação básica pública e, nessa esteira, como bem pontuou a unidade técnica, o transporte escolar “destaca-se como serviço de vital importância para a garantia do acesso e a permanência do aluno na escola” e, por essa razão, se a aquisição de veículos escolares houver sido custeada com recursos do Fundeb, o relator concluiu que o município não poderá valer-se da frota destinada ao transporte escolar para outras finalidades, posto que sua utilização está atrelada exclusivamente ao transporte de estudantes da rede pública, por tratar-se de aquisição financiada por verba vinculada a ação de manutenção e desenvolvimento do ensino, específica para o transporte escolar de alunos da educação básica pública.

Contudo, quanto aos programas federais, o relator ressaltou que deve ser observada a legislação respectiva. Assim, embora atualmente não seja possível utilizar tais veículos fora do expediente escolar, por expressa disposição de atos normativos que os regulamentam, tais normas podem vir a ser alteradas, possibilitando a sua utilização fora do escopo escolar.

Outrossim, no caso específico dos recursos oriundos de instrumentos de transferência voluntária, é ainda necessária a observância das regras pactuadas nos convênios, contratos ou outros instrumentos congêneres para aferir a possibilidade de utilização de veículos destinados ao transporte escolar para outras finalidades, quando for adquirido com recursos de programas educacionais de outra esfera de governo.

Deste modo, esclareceu, o relator, que o município deverá se ater ao objeto do convênio firmado com a entidade repassadora dos recursos e, objetivamente sendo objeto destinado à atividade perquirida pelo Consulente, não haverá óbice para utilização dos veículos escolares nos estritos termos do objeto tratado na Consulta.

Por fim, concluiu que em caso de veículos adquiridos em parte com recursos próprios não vinculados e em parte com recursos vinculados, deve aqui prevalecer entendimento mais restritivo, qual seja, os mesmos deverão ser utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, razão pela qual não poderão ser aproveitados fora do expediente escolar, ante toda a principiologia e demais regras citadas no presente caso.

A Consulta foi aprovada, por maioria de votos.

Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

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